Por a 25 Abril 2023

Com um currículo de peso, uma história de vida cheia e uma sede de conhecer e de viver, António Trindade, o artista plástico e professor, aqui em destaque.

Fotografia: Rodrigo Gatinho / Texto: Isabel Figueiredo

António Trindade (1967), licenciado em Pintura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa (FBAUL), Mestre em História de Arte na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e Doutor em Geometria pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, a que se somam o título de Professor Agregado com provas prestadas em Abril de 2022 na FBAUL, é desde muito cedo um apaixonado pelo desenho e pela pintura. Conta-nos que esse gosto e a motivação nasceram da viagem a Sevilha com a avó paterna, ainda muito jovem. “A minha avó negociava em Antiguidades e tinha um restaurador muito bom naquela cidade, que transformava os quadros velhos em novos, o Camacho. Nessa viagem, tive a oportunidade de conhecer a sua oficina de restauro e ainda me recordo de vê-lo a restaurar quadros antigos danificados. Havia muita pintura na oficina do Camacho, muitas naturezas mortas e paisagens. Fascinou-me aquela experiência, marcante. Mal cheguei a Portugal, comprei o meu primeiro cavalete na loja Corbel, no Largo do Camões, em Lisboa, que entretanto fechou. A partir daí nunca mais larguei as tintas, os pincéis e outras ferramentas”.


O ambiente era propício, António já vivia rodeado de arte. O pai também sabia de pintura e também chegou a negociar em Antiguidades. “Falava imenso com o meu pai sobre pintura e ele comigo. Adorava o Columbano e os impressionistas. Gostava muito do Eduardo Viana. Era um homem extremamente culto e visionário. De resto, na escola primária, e mais tarde no liceu, os meus professores diziam-me para seguir em frente e nunca me desviar deste caminho do desenho e da pintura”.

Smoke and Flood, óleo sobre tela, 90x150cm, 2022.

Outro fator determinante, acredita, é o de ordem genética: “De um lado, a minha mãe, que também desenhava e pintava; do lado paterno, a influência da descendência de uma família francesa que viera para Portugal no século XVIII, todos pintores de interiores de igrejas na região de Leiria, os Deville”. As influências familiares foram marcantes e lembra-se muito bem das aguarelas que pintava com a mãe, ainda miúdo, que chegou a pintar as paredes do quarto partilhado entre António e o irmão – representações de girafas, elefantes, selva e fauna que ornamentavam o espaço comum, assim como uma “espécie de jardim zoológico”.


São várias as fontes e referências que nutrem a sua arte. “Vou buscar informação a imensos lugares e até à história da Arte e aos seus autores. Desde desenhos, fotografias, vídeos, obras de arte, de tudo um pouco”. Muitas das imagens que servem de referência também provêm da internet, “mas depois manipulo-as, desloco-as para um novo contexto. Marcel Duchamp alterou a história da Arte e os conceitos. Permitiu muita coisa, permitiu a abertura das linguagens da Arte e, de certa forma, o regresso à pintura dos anos 80, que veio para ficar. Isso foi muito positivo. Além disso, hoje temos as novas tecnologias, que permitem até calcular outros efeitos e construir novas ideias, novos cenários”.

Mas também o inspiram o cinema – “gosto muito do Hitchcock e do David Lynch” –, os períodos do Barroco e do Classicismo. “Mantegna renascentista, por exemplo, tem sido uma referência, mas agora deslocado noutro contexto. Gosto de representar corpos, sobretudo femininos, em situações de pararealismo e em ambientes e cenas algo paradoxais, provocando uma certa tensão e desconcerto no espetador, uma espécie de surrealismo realista, ou o real impossível, como dizia o pintor Rocha de Sousa, um dos meus professores de referência na FBAUL. Gosto de apresentar e representar situações ou cenas reais, possíveis, mas inquietantes”. De momento, para além da referência dos corpos femininos, António também trabalha com outros elementos fluídos, líquidos e gasosos, a água, o fumo, o vapor… “que cercam parcialmente os ambientes e produzem situações de grande ambiguidade e riqueza, em jogos de ocultação-revelação parcial”.


Onde podemos ver as suas obras expostas? “Na Galeria Arte Periférica, em Lisboa, à qual estou ligado desde 1994 e na Galeria Sete, em Coimbra. Paralelamente, vou expondo noutros lugares, em espaços neutros, fundações, feiras de arte, entre outros”. Atualmente, António dedica-se, no seu estúdio, a uma nova série de um novo projeto em redor da questão dos fluídos, água, vapor, fumo, corpos, em continuidade com as duas exposições e projetos anteriores, “a de 2019, intitulada ‘Smoke’, na Galeria Sete, e a de 2021, intitulada ‘Just Flow’, na Galeria Arte Periférica”. E acrescenta: “Admito que recentemente também a guerra na Ucrânia tem alimentado e influenciado alguns trabalhos em curso, sobretudo na questão do sofrimento humano e nos fumos e fluídos que se observam nos cenários que vemos nas notícias. Uma guerra que já deveria ter terminado”.

Perguntas à queima-roupa

O que o move e motiva?
É uma questão complexa, mas são vários fatores, alguns aparentemente contraditórios. Os motores da minha dinâmica e motivação são vastos. Por exemplo, motivam-me imenso os retiros, sair da cidade para ver, sentir e ouvir o mar ou os rios, até para carregar baterias. Ver um bom filme ou documentário. Ver e observar boa pintura nos museus. Ler bons livros. A tudo isto agregam-se sonhos acordados, paixões, sentimentos, desejos e imaginações de situações reais mas impossíveis, voltando à questão de um certo surrealismo realista. Gosto de ver o mar bravo. Abre a imaginação. Atrai-me imenso o desconhecido e criar composições e pinturas com o desconhecido.

O que o provoca?

Variadíssimas coisas podem provocar e acender em mim variadíssimos sentimentos e sensações, uma paixão, o desconhecido, ambientes e pessoas que suscitam mistério, o mar revolto, a água, os rios e seus reflexos e refrações. Gosto muito de ver a onda gigante de 30m na Nazaré.

Uma cidade incontornável

Istambul, na Turquia.

Um lema de vida

Caminhar com exigência. Combater os limites.

Algo que costuma dizer aos seus alunos

 “Tomem atenção! Mesmo que fujam às regras é preciso conhecê-las antes. Caso contrário fogem mal e as deformações ficam mal feitas”.

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