Com projeto de arquitetura do arquiteto César Machado Moreira e interiores do Anantique Studio, esta casa em Lordelo do Ouro, na zona de Serralves, evidencia um estilo eclético, reflexo da essência e histórias dos seus habitantes.
Arquitetura: César Machado Moreira / Interiores: Anantique Studio / Fotografia: Cláudia Rocha / Texto: Isabel Figueiredo
“A nossa casa deve ser o reflexo de quem somos, expressar a nossa essência, a nossa história. Sou uma apaixonada por viagens; adoro vasculhar feiras de velharias, em busca de peças com história e da possibilidade de as restaurar, recriar ou simplesmente deixá-las mostrar que o tempo passou por lá; gosto de peças artesanais, que preservam conhecimentos antigos, sujeitos a desaparecer, se não forem recuperados e valorizados”, assim inicia a conversa a nossa anfitriã, que assina o projeto de interiores da casa.
Por tudo isto, prossegue, “o estilo que melhor define o que aqui encontramos, é eclético. Palavra que cabe como uma luva. Que aqui tem tanto sentido. Uma mistura de industrial – observado no programa de plano aberto, nas grandes portas de vidro, e em matérias-primas como o ferro e o microcimento –, de ‘vintage’, “com várias peças recuperadas por mim”, mas também de escandinavo e de étnico, se incluirmos os tapetes, “essencialmente de Marrocos, do Mali e da Turquia”, entre outros. E neste ambiente heterogéneo, continua, “ressaltam também valores de sustentabilidade, em que acredito, sem perder de vista um ambiente intemporal, harmonioso e acolhedor”.
Por ter vivido uns anos em Lisboa, frequentou, entusiasticamente – “e porque sempre gostei muito de móveis antigos” –, a oficina de restauro e reciclagem do Artlier, uma escola de artes e ofícios. “Queria partilhar com o mundo esses meus trabalhos e por isso criei, na altura, um blog, o Anantique (Ana + Antique) – Coisas com Alma”, conta-nos. “Curiosamente, ou talvez não, o nome Anantique surgiu de um passeio pela Feira da Ladra”, em que se apaixonou por um original e antigo “A” vermelho, em chapa, que se exibe hoje no hall de entrada desta casa.
Desde sempre uma apaixonada por decoração, Ana estudou design de interiores, na Lisbon School of Design, já a residir no Porto, aproveitando uma janela de oportunidade que se iniciou com a licença de maternidade. Assim, paralelamente à sua atividade como farmacêutica, no mundo corporativo, desenvolve projetos de design de interiores, em ‘part-time’ e essencialmente online, com o Anantique Studio.
“Uma das coisas que mais me encanta é o efeito surpresa suscitado, para quem aqui entra pela primeira vez. Ao passar nesta rua estreita não se imagina todo o espaço que se desenrola para lá da fachada e que termina com o jardim”.
É uma casa estreita e comprida, mas luminosa, graças à forma como foram criadas as entradas de luz, oferecendo três espaços exteriores: o terraço, no último piso, a que se tem acesso pelo escritório; o jardim, alcançado pela sala de estar; o pátio interior, entre a cozinha/sala de jantar e a sala de estar, inteiramente revestido a madeira e com grandes portas de vidro. “Este último espaço, para além da função prática, porque é muito usado para refeições, permite a continuidade entre todas estas divisões e o jardim, porque quem está na sala de jantar consegue avistar a sala de estar e o jardim através dos planos de vidro e tem a perceção de uma área muito ampla”.
Aqui dentro, todas as peças, seja qual for a sua proveniência, falam entre si. “Algumas ‘vintage’, outras de família, e ainda outras, em que tropecei acidentalmente, na rua ou em feiras de velharias”, e por si recuperadas. É o caso de uma das mesinhas de cabeceira ‘art déco’ e da cómoda da suíte principal ou da cadeira do hall de entrada. “A mesa de apoio ao sofá foi feita por mim, a partir de uma rodela de um tronco de castanheiro, e encerra uma história bonita na família. O holofote de teatro da sala de estar, Bardwell & McAlister, iluminou palcos em Hollywood, nos anos 60 e foi comprado num leilão. O banco de carpinteiro provém de uma antiga carpintaria”, aponta. A estas, juntam-se peças de design, como o aparador da Olaio, o antigo modelo Caravela, mas de produção recente, as cadeiras da mesa de jantar nórdicas ‘midcentury’, de Th. Harlev, o cadeirão de madeira e corda preta (modelo MG18), na sala de estar, peça contemporânea da dinamarquesa Godsk Snedkeri, os candeeiros de mesa do hall de entrada e de pé, de apoio ao sofá, do designer espanhol Miguel Milà ou a mesa da sala de jantar do designer Christian Haas, da Wewood.
Os tapetes da entrada, trazidos de Marrocos e da Turquia, a escultura em madeira no mesmo espaço, que é, na verdade, uma escada da tribo Dogon, do Mali, os potes de terracota com plantas, todos de Marrocos, bem como o tampo de ladrilho, também em terracota, da mesa do pátio interior, e, no móvel da sala de estar, a peça arredondada – um batedor usado pelas tribos berberes do norte de África para transformar o leite em manteiga –, atestam a preferência pela combinação inteligente que apenas uma mente curiosa consegue compor.
No que toca aos materiais, convivem o pavimento em microcimento, o vidro e o ferro. As paredes, com reboco pintado de branco, estabelecem um diálogo muito interessante com as carpintarias lacadas de cinza e com detalhes em pinho. “No fundo, os materiais simples, depurados, fazem sobressair a natureza dos espaços exteriores e favorecem a boa iluminação natural”, comenta. “Nas áreas privadas, nos pisos superiores, optámos por pavimento em madeira de riga. Lá fora, a preferência foi, essencialmente, para a telha preta e a madeira, num estilo nórdico”.
Estes materiais articulam-se com as texturas naturais e orgânicas das peças e têxteis escolhidos para a decoração. “Gosto de texturas simples, de materiais sólidos, que envelheçam bem e em que a imperfeição é bem-vinda. Tento, o mais possível, seguir uma ótica ‘Slow’, porque acredito em design de interiores mais assentes em valores de sustentabilidade.”
São várias as peças de família – jarras, louças e pequenos objetos – que destaca. E refere como bom exemplo o gato de porcelana, na entrada de casa, peça que está na família há mais de 100 anos. Conta-nos que foi por ele que a primeira palavra que o pai disse foi “gato”.
Os pais sempre foram grandes apreciadores de pintura, “por isso ofereceram-nos quase todas as obras que temos, algumas, como as do hall de entrada, vieram de sua casa. O pescador, de Hipólito Andrade, tal como acontece aqui, era o primeiro quadro que eu via ao entrar na casa onde sempre vivi com eles”.
O programa em open space, com exceção das 3 suítes e da casa-de-banho social, desenvolve-se em meios pisos. O hall de entrada e garagem alojam-se no piso térreo. Subindo o primeiro lanço de escadas, fica a área social, sala de jantar/cozinha, lavandaria, pátio interior, sala de estar e jardim com piscina. No meio piso seguinte fica a zona das crianças, com 2 suítes e uma área de biblioteca e cantinho de brinquedos. Para o outro meio piso foi destinada a suíte principal, com closet e, por fim, no último meio nível fica o escritório e um terraço.
No total, somam-se aqui 283m2 de área interior, a que se juntam os 145m2 de jardim. Tudo bem estudado, organizado e ponderado, mas sempre com fator ‘wow’ à espreita a cada esquina.