Procura um design com que todos nós nos podemos relacionar. Procura encontrar a personalidade do objeto e a sua potencial relação com o seu destinatário. Martinho acredita mais nessa relação, num design personalizado, do que na produção repetitiva.
Fotografias: cedidas / Texto: Isabel Figueiredo
Licenciado em Arquitetura e Artes pelo Edinburgh College of Art, trabalhou em vários estúdios de arquitetura europeus de renome, como o MVRDV (Roterdão) e Aires Mateus (Portugal). Martinho lançou a sua carreira internacional mudando-se para a índia, para ajudar a desenvolver e implementar a Incremental Housing Strategy nas favelas de Yerawada, em Pune. Colaborou com a ONG Sparcindia e a Urban Nouveau (Suécia), com quem viria a trabalhar em vários outros projetos como o Connecting-Stockholm e a TISA. Depois de dez anos a viver e trabalhar fora, em mais de cinco países diferentes, e a viajar pelo mundo, regressou a Lisboa para co-criar um projeto no litoral Europeu. A TISA (The Informal School of Architecture) que agregou mais de 50 estudantes multidisciplinares, na Cova do Vapor, uma tradicional aldeia piscatória as periferias de Lisboa. Impulsionado por uma constante busca de se reinventar criativamente, Martinho fundou, entretanto, o seu estúdio homónimo.
De que forma a natureza está presente no seu trabalho?
Se olharmos com atenção, não existe mau gosto na Natureza, é uma designer por excelência com quem trabalho lado a lado. Por outro lado sinto que o tempo tem sido, de certa maneira, desrespeitado. Vivemos hoje um paradigma de uma sociedade “Fast Food” onde todos os dias novos objetos são criados. A maioria destes sendo feitos repetitivamente, despidos de qualquer ligação, sem alma. O desperdício tornou-se inevitavelmente indissociável da nossa condição humana. Remo contra essa corrente e procuro, naturalmente, pela alma das coisas, uma espécie de “Slow Food Design”, que respeita os ritmos da Natureza. Parece-me que quando criamos algo, estabelecemos uma relação com o objeto criado. Nesse processo, de alguma forma, o objeto ganha uma alma própria. É clara, para mim, a necessidade de respeitar o tempo das coisas, de criar objetos com história e conteúdo. Acredito que não consigo competir com grandes marcas no que toca à mecanização de processos e à perfeição dos detalhes, por essa razão exploro a irreverência e a capacidade de surpreender. Procuro um design com que todos nós nos podemos relacionar. Procuro encontrar a personalidade do objeto e a sua potencial relação com o seu destinatário. Acredito mais nessa relação, num design personalizado do que produção repetitiva.
Como é trabalhar com artesãos? O que se aprende e que laços se criam?
Trabalho com artesãos e ofícios em vias de extinção. As gerações mais novas não estão empenhadas em aprendê-los e a dar-lhes seguimento, o que os torna cada vez mais raros. Essa singularidade atrai-me muito e tornou-se a alma do meu trabalho. Ao longo do meu percurso, acabei por juntar um grupo de artesãos que trabalham usando, ainda, métodos antigos e manuais. Hoje em dia criámos uma relação de confiança e amizade que só o tempo consegue criar. Para mim, é essencial trabalhar com estas pessoas, não só pelo conhecimento e experiência, mas acima de tudo pela alma que colocam naquilo que fazem.
Onde está localizada o atelier?
Acabei de mudar para um novo espaço, na Ajuda, num bairro calmo e silencioso, que me dá o espaço necessário para me concentrar a criar.
Quais são as peças que estão atualmente em processo de produção?
Trabalho com a unicidade de cada peça. Tenho peças catalogadas assim como estou a criar peças “bespoke”, feitas à medida de cada cliente/espaço. Tenho também o trabalho que vou criando sem um objetivo particular, são rasgos de inspiração que tento materializar e que acabam, naturalmente, por encontrar o seu lugar. São novas formas e direções para onde o meu trabalho está a caminhar. É uma espécie de cavalo selvagem com o qual aprendi a não gastar energia em tentar domar. O controle é uma obsessão e também uma ilusão.
Que materiais usa hoje mais no seu trabalho e porquê?
Tenho o privilégio de estar próximo de uma arte em vias de extinção no nosso país, o vidro de sopro manual. Estou também a explorar o metal, a pedra, a madeira, as palhas da pradaria, entre outros.
O que está para breve em termos de projetos?
Tenho um projeto de uma casa na Costa Vicentina, pelo qual tenho um grande carinho, que foi construída há pouco tempo e que publicarei em breve. Hoje em dia estou principalmente focado em iluminação artística e peças de design de mobiliário.
Um lema de vida?
De todos, existe o que me guia na direção do autoconhecimento e que ainda hoje me desafia constantemente: A verdade vive na impulsividade da matéria. Os conceitos vivem apenas na mente, já o improviso requer o uso de todos os sentidos e uma grande dose de coragem. Eu tinha pavor do improviso. Aprendi a importância de caminhar fora da minha zona de conforto, ver as coisas de um ângulo diferente, aproximar-me de pessoas desconhecidas, percorrer uma estrada diferente, colocar-me numa situação desconfortável. Este caminho dá lugar ao “erro” e o erro é um processo e uma oportunidade. O “erro” é um poço de aprendizagem.