Por a 8 Agosto 2023

Depois da incerteza, a certeza. E com ela, uma voz ativa que fala pelos que não podem expressar-se, que põe o dedo nalgumas feridas da sociedade atual. Um trabalho inacabado, mas nunca em vão. Rita Andrade tem atualmente patente na galeria da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, a exposição “Identity and Land”.

Texto: Isabel Figueiredo / Imagens cedidas

Teve o seu primeiro contacto com as artes no secundário, no Colégio do Amor de Deus, em Cascais. Seguiu-se a Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, em 2016, onde fez o curso de Pintura e, mais tarde, depois da licenciatura concluída em 2020, o Mestrado em Art and Politics na Goldsmiths, University of London, altura em que se mudou para o Reino Unido. Finalizada a tese, com distinção, decidiu voltar para Portugal, “por ainda acreditar que seria possível desenvolver aqui os meus projetos de vida, profissional e pessoal.”

Quais foram os primeiros trabalhos?

Quando entrei em Belas Artes, senti-me bastante perdida. Não sabia bem qual era caminho a seguir e o que queria realmente fazer com a minha arte. Os dois primeiros anos do curso foram bastante difíceis, sentia que criava para agradar aos professores e não a mim mesma. Queriam fazer de mim uma artista mais conceptual, mas eu não me via assim. No terceiro ano, pensava “vou só acabar o curso com uma boa nota e pronto”. Estava desmotivada, não estava a desenvolver a arte que queria. Foi já no fim do terceiro ano que tive a oportunidade de fazer uma viagem à Palestina. E foi precisamente durante essa viagem que encontrei inspiração para pintar. Percebi que tinha um dever enquanto cidadã e artista — ser uma ‘voz’ dos oprimidos e contribuir para alertar que o sentido de justiça pode perder-se com muita rapidez no meio da ilusão de quem o julga um dado adquirido ou um valor politizável. No último ano do curso eu sabia finalmente o que queria fazer. Bati-me pelo meu estilo e pela minha mensagem, que acabaram por ser bem recebidos pelos meus professores do quarto ano – e que foram os melhores professores que tive ao longo da minha vida na Faculdade. Deram-me total liberdade, motivação e impulso; deram-me desafios e deram-me muito ‘na cabeça’! Desde então tenho criado com a minha alma e a minha mão solta de conceptualismos, de academismos e de conceitos política ou comercialmente corretos.

Quais os materiais que encontramos hoje nos seus trabalhos?

A superfície que mais utilizo são as telas, mas também tenho alguns desenhos em papel, madeira e, mais recentemente, trabalhos em espelho (vidro). Os materiais que mais gosto de utilizar são o pastel de óleo e a tinta a óleo. Tenho muitos trabalhos feitos a acrílico, mas este é um material pelo qual sinto amor/ódio, porque seca muito depressa e isso não me permite brincar com as cores, caso seja essa a minha inspiração no momento. Os materiais com base de óleo dão-me mais liberdade cromática e permitem-me pintar com maior detalhe.

Artista e ativista, em que medida? Onde está a artista e onde está a ativista? 

Artista na medida em que sou criativa. Ativista na medida em que utilizo a minha criatividade para criar impacto e passar mensagens através da arte. Vemos isso na música, na poesia, no teatro e em qualquer forma de arte. O artista tem a capacidade de sensibilizar através de uma linguagem que é só sua, isso pode ser transformacional, é elegante, é emocionante! Encontrar o equilíbrio de sensibilizar sem ser demasiado intrusiva, é o maior desafio. Ativista na medida em que vou ao local e falo com o povo, para entender e aprender. O projeto de apoio aos direitos dos palestinianos e o projeto de apoio às crianças nas Honduras resultaram de viagens a estes dois países. À Palestina em Agosto de 2019, às Honduras há um ano, em Junho de 2022. Na minha cabeça não faria sentido abordar temas sem viver o terreno – os ambientes, as pessoas, os cheiros, as paisagens, as casas, as ruas, os becos – porque fazê-lo baseado no que vemos nos meios de Imprensa é um erro. Já sabemos que muitas vezes a realidade é distorcida nos écrans.

Uma mensagem que gostaria de passar ao mundo (e aos nossos leitores).

Gostava que as pessoas fossem mais ativas naquilo em que acreditam. É mais fácil criticar alguém por ter uma visão do que termos nós próprios uma visão. A pressão social, as redes sociais, os media, ofuscam as nossas ideias ou até mesmo influenciam, esvaziam e, até, ocupam o espaço que devia ser de reflexão. O que mais me fascina é quando uma pessoa é capaz de pensar pela própria cabeça, sair do sistema e do padrão, com consistência e não só porque sim, e agir em conformidade com os conceitos em que acredita. Não precisamos de ir para muito longe para sermos ativistas. O ativismo começa em casa, com os nossos, com a nossa comunidade. Gostava que as pessoas se permitissem a si próprias, se dessem o espaço, de tirarem os olhos dos écrans e observassem o que as rodeia, que refletissem sobre o seu papel no mundo. Penso que vivemos um tempo difícil em Portugal e no mundo, as pessoas estão mais impacientes que nunca, mais nervosas, mais agressivas, e isso é normal, devido às circunstâncias em que vivemos. Mas temos de ser solidários uns com os outros! Em suma, convido as pessoas a não terem medo de serem elas próprias. Lutar pelo que acreditam e não serem cegas às enormes fragilidades do nosso mundo. Tristes os que só mal dizem e que nem sequer querem ver.

Quais são os trabalhos em curso?

Eu digo sempre que não há projetos terminados. O meu projeto de apoio à Palestina e o projeto de apoio às crianças das Honduras (que considero serem os meus projetos maiores) continuam em curso. Mas tenho um outro, que comecei há pouco tempo. Chama-se “Reflect” e consiste na pintura em espelhos, de forma a convidar a pessoa a refletir sobre os problemas da nossa sociedade. Os espelhos não estão completamente cobertos porque há um propósito de ambivalência no projeto “Reflect”: por um lado, a pessoa pode ver-se a si própria – a sua imagem está refletida. Por outro, é desafiada a refletir no que lá está além da sua própria imagem.

Exposições, o que há para breve?

Tenho neste momento uma exposição, com o nome “Identity and Land”, patente na galeria da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, até 29 de agosto. É essencialmente uma exposição que dá continuidade ao projeto de apoio à Palestina, uma vez que já não é a primeira mostra com este tema e porque é um assunto que não está arrumado.  Aliás, está longe de estar resolvido. Com o projeto “Reflect”, tenho o objetivo de fazer uma exposição, ainda este ano. É só uma questão de encontrar o local certo e a altura certa para o fazer!

Um lema de vida

Sou artista e sofro com o sofrimento dos outros. Sofro com as injustiças e sofro com a sociedade. E são todos esses sofrimentos que fazem de mim a artista que sou. A minha arte é o meu eu mais profundo. Não me concebo enquanto artista de outro modo. Dói, mas dói menos sabendo que a minha dor exposta na tela, nas escolhas das cores, na forma do traço, pode ser a voz da dor de quem não a tem.

A SABER:

Web: www.ritaandradestudio.com
IG: ritandrade_art
Email:
[email protected]

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