Por a 3 Outubro 2024

Localizados no edifício Casas do Tanoeiro, em Porto Brandão, Almada, estes apartamentos nasceram de um projeto de reabilitação do arquiteto Gonçalo Frias. A sua construção original realizada por um tanoeiro, serviu de inspiração para o projeto de arquitetura e interiores, a cargo do ateliê Rafaela Fraga Brás, Interior Design. As fotografias são de Gui Morelli.

Design de interiores: Rafaela Fraga Brás / Fotografia: Gui Morelli / segundo memória descritiva

O projeto de arquitetura originou novas interpretações e, hoje, este edifício tem quatro pequenos apartamentos distintos e com diferentes tipologias (três unidades T0 e uma unidade T2). A fachada do edifício foi respeitada, tendo detalhes que representam a tanoaria, como os círculos nas janelas principais. Foram assim criados novos layouts e novas formas de viver. Concentramo-nos nos apartamentos T0 2º frente e 2ª esquerdo, tendo, este último, visto o seu telhado refeito e o piso elevado, estando hoje o teto de duas águas embelezado por barrotes de carvalho natural. Nos dois pequenos apartamentos, o pavimento é de tábua corrida em madeira, as portas em carpintaria pintadas num bonito verde-água, bem como as portadas recuperadas, e as paredes são em estuque natural — materiais escolhidos pelo gabinete de arquitetura. 

Para o projeto de interiores, a inspiração “levou-nos a conhecer mais sobre a localidade de Porto Brandão, as suas raízes, cultura, histórias e lendas”, conta Rafaela Fraga Brás. “Tivemos conhecimento da história lendária e trágica de Paulina e Brandão (um casal de apaixonados que não viveu o seu amor), respeitámos a localização entre a terra e o mar e a proximidade com as praias da Costa da Caparica, assim como tivemos em atenção a história do edifício”.

No âmbito da sua nova vida, o projeto de interiores pretendeu “trazer alguma ruralidade e simplicidade a estes interiores e traduzir aqui as típicas e tradicionais casas portuguesas, algo muito presente nos padrões selecionados, como o são os quadrados, tão presentes nas tradicionais mesas de piquenique, que são parte das nossas memórias culturais. Pretendi, desta forma, cozinhar todas estas referências e interpretar estas narrativas, imprimindo a estes apartamentos ambientes românticos, confortáveis, cénicos, intimistas e muito acolhedores”. E como nestes dois T0 é feito um convite à paz, nenhum deles é equipado com televisão.  

T0 2º frente

O apartamento 2º frente, com cerca de 30 m2, é composto por uma cozinha, uma casa de banho e uma área comum, com zona de dormir, de estar e de trabalho. As janelas de águas furtadas, que por si só são um apontamento cénico, deixam a luz natural entrar e iluminar as cores dos materiais.

Porque a arrumação é fundamental, o T0 2º frente   apresenta uma solução de roupeiro, com lavabo embutido, que permite tornar a casa de banho mais ampla. Este roupeiro é, assim, uma peça especial, com o detalhe da cortina com padrão de risca e a aplicação da franja, pormenor tão comum nas tradicionais casas portuguesas.

“As cabeceiras de cama, neste caso em tons de água, fazem uma relação com um estilo praiano e trazem algum movimento e grafismo ao espaço”. As almofadas em diferentes padrões, texturas e formatos são um detalhe especial na decoração. “O mobiliário é adequado a várias funções e é versátil. Os elementos de decoração, como os tapetes e o grande painel decorativo de cozinha, anunciam a rusticidade e acentuam esta relação com a natureza”.  

Na cozinha, que recebeu um verde-água, foi criada uma zona de refeições, “que é um encanto e fica praticamente abaixo do céu. Um espaço também de calma e de tranquilidade”. A iluminação artificial é cuidada e intimista, sendo sido escolhida, estrategicamente, em tons quentes. 

T0 2º esquerdo

No T0 2º esquerdo, provavelmente o apartamento mais cénico e especial de todos, convida-se à serenidade, conforto e paz. “Para aqui, quisemos criar um ambiente de cabana de amor, tão inspirada na história lendária de Paulina e Brandão e que faz também parte das nossas referências idílicas e românticas enquanto cultura e sociedade”.

Este T0 é um ‘open-space’ com cerca de 38 m2, composto pela área de dormir/ vestir, trabalho, leitura, estar (com sofá cama), refeições, cozinha e casa de banho. “Quis criar várias áreas distintas e, embora se trate de um ‘layout’ aberto, cada zona está delimitada, embora sem barreiras visuais”. O objetivo foi alcançado posicionando a cama no centro do apartamento e criando um bonito dossel, “que não só é a peça emblemática desta decoração como, através desta posição, ajudou-nos a conseguir a divisão das áreas”. 


Esta cama de casal com dossel é uma peça invulgar, texturizada. Rafaela escolheu o tom bordeaux em contraste com as franjas verdes, numa relação com a tanoaria e os barris de vinho. Posicionada de frente para a janela, emoldurando também o vão e as portadas de madeira em verde-água, este elemento dialoga com o resto do espaço sem conflitos, mas impõe-se, enquanto peça-chave, com uma tónica teatral. Por seu turno, o roupeiro é uma peça de carpintaria prática e com um cariz decorativo, graças, igualmente, à instalação da cortina com franja aplicada. “A área de leitura é um convite a relaxar, equipado com o cadeirão da proprietária, que ajuda a trazer a este espaço mais rusticidade, por via do vime, embelezado com as almofadas do assento e das costas, contrastantes em cor. O espelho de corpo interior, o candeeiro de pé e o banquinho de apoio são peças-chave neste cenário. 

“A área de trabalho localiza-se nas costas da cama, podendo servir como um apoio à zona da cozinha, usufruindo de luz natural”. A área de refeições posiciona-se perto da cozinha, abaixo das janelas e permite receber à mesa um maior número de convidados, por ser extensível. Há ainda espaço para um sofá-cama, “uma peça em tons de amarelo, cor escolhida porque ajuda a trazer alguma alegria e faz um bom contraste com o tapete e o pufe Kilim, peças da proprietária, que promovem um ambiente mais vivido e singular”. 

A iluminação é cuidada, composta por um leque de tons quentes e pelo branco, neutro, escolhido para as áreas de trabalho. As peças de mobiliário foram todas desenhadas e executadas pelo ateliê, tendo sido dado especial destaque às carpintarias, com cor e detalhes na sua produção. Da mesma forma, as cabeceiras das camas, um elemento marcante nesta decoração, foram feitas à medida e revestem-se de grande importância neste espaço. 

“Enquanto designer de interiores, adorei desenvolver este projeto, porque aqui, mais do que um projeto de interiores, onde a estética e a funcionalidade têm o papel primordial, foi possível contar uma história singular e essa energia está presente nos detalhes de cada escolha. Foi também um processo emocional”, revela Rafaela. “A proprietária envolveu-se com grande paixão no projeto, confiando-me a totalidade desta criação. No final da obra, partilhámos um belíssimo sábado entre tintas e pincéis e reciclámos em conjunto as portadas originais do edifício, que estão agora colocadas estrategicamente nas paredes do apartamento e contam também muito do que é a história do local. Assumidamente, adoro trazer estes elementos para as decorações. Algo que não se vê e não se sabe sobre a essência de Porto Brandão, é que é um lugar encantador, com vista sobre Lisboa e com o rio tão próximo. Foi maravilhoso trabalhar aqui e sentir a brisa, os cheiros e ouvir o som dos barcos”, pontua. 

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