Situada na Costa Nova do Prado, esta casa é a recuperação de uma tipologia vernacular da região, com uma geometria inusitada que se destaca pela clareza das formas e pela complexidade de volumes. O projeto é assinado pelo atelier m2senos, e as fotografias por Ivo Tavares.
Projeto: m2senos / Fotografias: Ivo Tavares Studio / segundo memória descritiva
A Costa Nova do Prado, a praia atlântica onde a Ria de Aveiro se encontra com o mar, é famosa pelos seus palheiros, descendentes de antigos armazéns de apoio às atividades piscatórias, que, ao longo de gerações, se tornaram habitações às riscas coloridas, para o gáudio dos veraneantes que têm a sorte de por lá passar. Estes arquétipos de madeira, com a sua forma de celeiro e cores garridas, tendem, pela natureza das coisas, a ofuscar a existência de outra tipologia tradicional, que descende de uma arquitetura vernacular situada entre o palheiro e a casa gandaresa (casa rural da região). Essas construções, no entanto, assumem-se claramente como casas de férias, geralmente edificadas em adobe, com tipologias relativamente comuns, mas fachadas tipo “tampão”, adornadas com alguns elementos decorativos, ainda que singelos, onde as coberturas e os beirados assumem protagonismo.




Era precisamente uma dessas casas que tínhamos em mãos para recuperar. Os netos, testemunhas da linha do tempo do lugar e herdeiros daquela ruína devoluta, quiseram ali estabelecer a sua morada permanente. Localizada num gaveto da “rua do meio” (entre a ria e o mar), onde os elementos da água não se veem, mas se intuem, a casa apresenta quatro fachadas, uma cobertura com quatro partes, pontuadas por quatro mansardas, que lhe conferem uma complexidade formal acentuada por jogos de simetria e equivalência.






Duas das suas fachadas, a poente e a norte, confrontam o espaço público, enquanto as fachadas nascente e sul voltam-se para vielas (características no local). A viela a nascente é compartilhada para acesso a várias casas. A viela a sul constitui o único espaço exterior privado da casa, um corredor com 1,50m de largura. A entrada da casa faz-se diretamente a partir da rua e, por isso, criou-se um pequeno hall interior, que retarda a sala e organiza o espaço de estar e jantar, em continuidade com a cozinha, que comunica com a rua.







Ainda no piso térreo, uma suíte com Instalação Sanitária ocupa toda a largura da casa, usufruindo também do espaço exterior. Sob as escadas, dois espaços de máxima importância para a vivência e mínima para a presença: uma pequena instalação sanitária e uma área técnica/lavandaria, com acesso pelo exterior.






No sótão, os dois quartos e a instalação sanitária aproveitam as diferentes coberturas, destacadas pelas vigas de madeira. Todos os compartimentos possuem uma janela-piloto, cada uma voltada para um quadrante. Os exteriores foram, em grande parte, preservados, incluindo os elementos geométricos decorativos que pontuam os vãos, as paredes em adobe, as janelas de guilhotina em madeira, a cobertura em telha e os seus beirados, mantendo-se a intenção de restaurar a casa original, mantendo-se a cor branca das paredes, as orlas amarelas e as janelas de madeira lacadas a verde.












No entanto, durante o processo de obra, os materiais e a sua natureza foram-se revelando. O adobe e a madeira, em particular, ganharam um protagonismo inesperado, concluindo-se que o melhor fosse não mexer mais. Optou-se, assim, por uma certa crueza dos materiais, sintetizada na cor-terra da casa, que a torna simultaneamente mais abstrata, mas também mais objetiva